Antonio deixou a mulher no hospital, a minutos do parto de uma gravidez complicada, para ver seu time do coração, Matonense, jogar. Vitor ameaçou: se o Corinthians for mal, termina com a namorada palmeirense. Leônidas vendeu o sítio da família para acompanhar o Internacional até o Japão.

Para eles, de certa forma, vale a máxima "o futebol é o ópio do povo". São, afinal, viciados e precisam de tratamento, segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes).

Os torcedores responderam a um questionário avaliado pelo psiquiatra (veja ao lado). A pessoa que manifestar qualquer um desses comportamentos de vício mais de cinco vezes por mês é considerada "dependente" segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), diz o médico.

Assim como em drogas, álcool ou jogatina, o boleiro fanático não acredita ter perdido o controle. "É vício porque [o paciente] só pensa naquilo. Não consegue trabalhar, nem ter relacionamentos afetivos ou vida social."

"Muitas vezes, a pessoa está passando por um problema e, em vez de encará-lo, usa o futebol como fuga."

Sem limites

Leônidas Costa Ferias, 42, estava dentro de um ônibus do Internacional incendiado no Paraguai. Já apanhou da polícia na final da Libertadores. Chegou a fugir da cama com pneumonia para assistir ao time jogar.

Arquivo Pessoal
Ferias (agachado sem camisa) foi ao Paraguai com o Inter
Ferias (agachado sem camisa) foi ao Paraguai com o Inter

E isso foi só o começo. Em 2006, convenceu a mulher de que ser fanático era melhor do que trair ou ser bêbado, juntou R$ 18 mil com a venda do sítio da família e deixou a filha de três anos em casa para conferir o Inter no Japão.

"Tive medo de passar fome porque meus cartões não funcionavam, mas a paixão é extrema", diz. "Tu te sente parte. Teu grito vale muito."

Marcos Schiavo, 29, não vê nada de errado na dedicação que tem pelo Corinthians.

Com uma ex-namorada, também da Gaviões, foi a Recife (PE) e gastou cerca de R$ 1.000 em 23 horas. Queriam assistir à equipe jogar, mesmo sem garantia de ingresso.

Apesar de se declarar contra a violência, Schiavo diz que a situação fica mais complexa quando envolve a Gaviões da Fiel. Perguntado se já se envolveu em brigas de torcida, desconversa.

Arquivo Pessoal
Schiavo (centro) viaja com integrantes da Gaviões
Schiavo (centro) viaja com integrantes da Gaviões

Vitor Oshiro, 23, vê a namorada palmeirense como pé-frio. Tanto que prometeu romper com ela caso seu time continue indo mal no ano do centenário. "Ao começar o namoro, o
Corinthians estava em ótima fase. Engatamos, e o time deu uma bela de uma caída."

Quando o jogo se inicia, Antonio Donato, 66, que além de torcer pela Matonense também é corintiano, assiste só até saber quem é o juiz. Aí muda de canal _ não quer sofrer minuto a minuto.

Se seu time perde, não dorme. Xinga os jogadores, fica matutando os lances da partida, revira-se na cama.

Há 15 anos, veio o trauma com os juízes.

A Matonense, time pelo qual torce na sua cidade natal, Matão (SP), estava perdendo. Donato se injuriou com a "roubalheira" do juiz e partiu para o gramado. Mas sua sandália ficou presa no alambrado e ele só saiu de lá guinchado por policiais.

Arquivo Pessoal
Donato no estádio de Matão, interior de São Paulo
Donato no estádio de Matão, interior de São Paulo

Tolerância

Se o próprio boleiro não se vê como viciado, familiares e amigos também podem ter dificuldade para detectar o problema, aponta o psiquiatra Silveira.

"Há este glamour da paixão nacional [que] até reforça o comportamento patológico. Imagina se a sociedade tiver a mesma tolerância com jogadores compulsivos. Seria um desastre!"

(ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, FILIPE MOTTA, NÁDIA GUERLENDA CABRAL, THAIS BILENKY)

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